quarta-feira, 20 de abril de 2011

O Paraíso não existe

Mas há “onde” se chegue lá perto.

Paraíso: Lugar onde se vive harmoniosamente e sem conflitos.

Não existe lugar onde se vive sempre harmoniosamente e sem conflitos. É uma utopia. Existem sim, maneiras de procurarmos essa harmonia e de encararmos esses conflitos. Utópico é achar ou querer que todos os nossos dias sejam nirvana. Porque não existe tal coisa. Os conflitos, os problemas e as dificuldades são inerentes à nossa existência. E na verdade há todo um negativismo à volta dessas palavras. Ando a reformular os meus próprios conceitos. Se encararmos tudo aquilo que à partida parece mais negativo como desafios e motivações, então tudo parecerá mais simples. E a ideia de viver harmoniosamente e sem conflitos toma outra cor. Não deixamos de viver sem eles, porque em todo o lado, a fazer o que quer que seja, eles vão sempre existe. Interessa sim, na mesma, procurar essa harmonia. Se não podemos viver sem eles então aprendamos a viver com eles. Interessa procurar a nossa maneira de lidar com os desafios constantes que nos vão aparecer, sempre. Interessa conhecermo-nos tão bem ao ponto de saber encontrar esse equilíbrio. E aquilo que nos mantém, onde quer que seja, a fazer o que quer que seja, sempre em harmonia.

É tudo uma questão de percepção :) Na realidade o paraíso existe, como a perfeição. Só que somos nós que o criamos, por isso não precisamos procurá-lo. Nunca o vamos encontrar. Só depende de nós. Precisamos saber encontrar o “onde” conseguimos flutuar a ter os pés assentes na terra.

A mãe está a viver no paraíso. Num, de agora. Tem a sorte de poder saber isso cá com muito tempo para valorizar cada dia que os seus pés flutuam nesta terra. Tem a sorte de ter encontrado uma harmonia e um equilíbrio tal que sente-se sempre plena, até no dia em que tudo lhe possa parecer mais negro e fique esbaforida de tanto praguejar!

A plenitude que existia na terra dos sonhos, continua a existir na terra real. Moçambique é um dos meus paraísos.


sábado, 29 de janeiro de 2011

Voltar a casa


Não sei se comece por hoje ou ontem. Ia escrever para mim e decidi antes partilhar. Talvez nas pequenas coisas consiga testemunhar melhor.

Ontem antes de deitar conversava e ria com a Susana sobre o quão bem nos estávamos a sentir. O quão estranho já não era estar aqui, mas sim natural. Já nem podemos dizer que nos sentimos em casa, estamos meeesmo em casa. Falávamos com uma boa disposição e sorrisos gigantes na cara. Com uma felicidade que dificilmente se explica e que não se vivencia todos os dias. E no entanto, era mesmo essa a conversa. De que todos os dias nos sentíamos assim. De que todos os dias nos ríamos de fazer doer a barriga, e muitas vezes até várias vezes ao dia. Se para as duas é das melhores sensações que podemos sentir, e se temos o privilégio de já ter perdido a conta do número de vezes que o fizemos nos últimos dias, então não há como não nos sentirmos mais que cheias. A transbordar.

E hoje, depois de ontem termos chegado à conclusão que até então todos os dias por algum motivo nos tínhamos rido até doer a barriga, quando voltávamos da missa comentei com ela que isso ainda não tinha acontecido, hoje. Claro que a Susaninha com toda a sua boa disposição disse logo que o dia ainda não tinha acabado. Sorri mas de verdade não pensei que isso fosse acontecer, porque não tarda estaria na cama.

E no entanto, estar em casa continua a ser surpreendente. E as surpresas também são das melhores sensações que podemos sentir. Regressámos a casa depois do jantar, e passei na sala de convívio só para olhar para os miúdos, divertidos. Fiquei à porta uns bons minutos só a observá-los. E sorria. Vê-los assim entretidos preenche-me. Às tantas lá decidi juntar-me a um grupo, que jogava às cartas. E no meio de todas as tentativas de tentar dar algum sentido àquele jogo ri até me virem as lágrimas. E claro, a rir que nem uma perdida, sem sequer conseguir falar, tipo um riso completamente seco e quase a ficar sem ar, fez com que os miúdos se rissem genuinamente da minha figura. E no meio de tanta gargalhada até me vieram as lágrimas aos olhos. Incontrolável riso mesmo. Tenho a certeza que o fenómeno esta provado cientificamente e que é por isso que aqui me sinto tão saudável. Não há como não o ser quando se está plenamente feliz.

Só para terem uma ideia (e para eu me rir uns anos mais tarde a relembrar isto), embora eu ache que nem pouco mais ou menos vá dar para entender a dimensão do jogo, este consiste em:

Existe um número par de jogadores sentados em roda, duas equipas, cada uma é jogador sim jogador não. Depois distribuem-se três cartas a cada. As cartas são o 2, o 3, o 4, o 8 o 9 e o 10. Até aqui muito bem. Começa a complicar quando se percebe que afinal o 2 é 2, o 3 é o valete, o 4 é o rei, o 8 é o às, o 9 é o zero, e o 10 é o 7. Complica ainda mais quando uns chamam rei ao 8, ou então 11, e K ao 4. Depois o 10 é o 7 mas vale tipo manilha. No final de contas, a ordem de valor é 8, 10, 4, 3, 2, 9. Porquê? Não faço puto de ideia. Mas ok, com uma cábula na mão e muito tempo na minha vez lá consegui jogar e até arrecadar algumas vazas! Mas a parte melhor ainda está a chegar. No fim, quando se contam os pontos que cada equipa teve, o 8 (que era o às) vale 1, o 10 (que era o rei) vale zero, depois o 4, o 3, e o 2, valem 4, 3, 2 e por fim o 9 vale zero. Opa só de relembrar já não consigo parar de rir. É que não se entende. Ahaha e eu no meio de tantos risos ainda tentava perceber porque raio eles não atribuem os valores das cartas certos ou não pegam então nas cartas “verdadeiras”. Só rir. No meio desta salganhada toda o jogo chega a ser difícil, existem “jogadas de mestre”, eu tentei fazer alto brilharete e fui altamente gozada por jogar mal como tudo. Ahaha Só rir mesmo.

Ainda os consigo ouvir ali na sala às gargalhadas. E só isso enche-me de paz. Os meus filhos hão-de rir assim.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Azul

Ainda em Portugal chegou-nos aos ouvidos que Quissico era ao lado da praia e tinha três lagoas bem perto gigantes e lindas. Mas não era nem tinha.

Acabadinhos de chegar à missão deparámos com a imagem indescritível dum azul imenso à nossa frente. Virados para oeste o campo dos eucaliptos deixava ver por entre os troncos três blocos de água de azuis distintos. Duas lagoas separadas e a seguir o Índico, uma imagem às riscas alternando entre azul e verde. Bonito? Muito mais que isso. Até parecia que o ar era mais puro de tanta natureza sem "estragos" da prensença humana.


(eu sei que não se vê o campo de eucaliptos mas ele existe)

Lembro-me perfeitamente da primeira vez que fomos às lagoas, acho que logo no segundo dia na missão, os quatro acompanhados pelo nosso guia Ezequiel. Logo no início cruzámo-nos com um curral de folhas de palmeira onde tirámos a primeira fotografia em Quissico: eu, o André e dois porcos :) Descemos por entre os caminhos de areia, à conversa. O Ezequiel seguia à frente e os 4 atrás íamos rindo entre as primeiras confidências mais "agrestes" e algumas revelações :p Continuávamos com o fascínio pela terra. As manas diziam que era mesmo diferente do norte, mas sem margem para dúvidas, duma beleza também inexplicável. Cruzámo-nos com crianças que olhavam para nós com ar curioso, outras fugiam ou tinham medo de se aproximar. E assim distraídos, sem darmos conta, passou a mais de meia hora para chegar até à àgua.

O André teve logo o privilégio de banhar-se, as meninas apenas poderam tocar com os pés. A presença do Ezequiel não nos permitia tirar a roupa. As águas eram calmas, ligeiramente salgadas pela proximidade com o oceano, e completamente transparentes. Não se via uma única presença humana à volta, e era isso que tornava a imagem tão perfeita. Lindo? Muito mais que isso. Fizemos a primeira reportagem em missão. Também me lembro que perto havia uns metros quadrados de terra cultivada. A Sofia pegou num búzio lindo e achou que tinha tido a sorte grande por o ter encontrado. Metros mais à frente, enquanto ostentava o seu búzio caído do céu, encontrámos um segundo. Olhando bem, os búzios estavam cuidadosamente colados nos quatro cantos duma espécie de horta, a delimita-la. Claro que a Sofia devolveu o búzio ao seu trabalho de canto, e nós não conseguimos parar de gozar com ela.



Voltámos às lagoas as vezes que conseguimos, tomámos banho nela, ajudámos alguns miúdos a enfrentarem o medo da água, e tivemos um banho conjunto final brutal de mais de uma hora, quando o Quico e o Miguel nos encontraram pela segunda vez. Há vídeos memoráveis desses momentos, que descrevem muito melhor a alegria do que as minhas palavras, mas ainda não os tenho.

A primeira vez no Índico também foi qualquer coisa. Tenho um fascínio absurdo quando experimento novas águas. Na primeira vez na praia, depois duma viagem atribulada por caminhos instáveis para lá chegar, "vencemos" a vergonha de nos despir-mos à frente dos padres. Estávamos meio acanhados mesmo depois deles já terem dito e repetido que não havia problema. Depois duns bons minutos em pé a olhar uns para os outros lá tirámos a roupa num ápice e corremos de mãos dadas (acho) a experimentar o Índico pela primeira vez. Mais tarde a Sofia chegou à conclusão que não era a primeira vez dela mas ainda assim viveu a entrada na água como se fosse. As vezes a verdade é aquilo que queiramos que seja. No bom e no mau. A Paulinha não queria ir mas segundos depois de estarmos que nem putos a chapinhar na água não resistiu e juntou-se. Foi único. E também o Pe. Juliano tomou banho connosco. E riamos de ser das águas mais quentes que já tínhamos estado e gelada para ele.



Voltámos à praia umas quantas vezes. Na baía dos côcos, era só nossa. E dum pescador. E mais uma vez não há palavras. Voltámos a brincar, desta vez tínhamos também a companhia do Miguel e do Quico. Tive das melhores reflexões da minha vida, vimos o nascer do sol embrulhados nos sacos de cama, e fizemos das dunas escorregas. As ondas rebentavam-nos no corpo, e a água era quente e transparente. Lembrei-me imenso do Gustavo. Paradisíaco? Muito mais que isso.



A praia de Závora, de acesso quase impossível, e com as suas dunas e recantos românticos suscitou-nos conversas sobre o amor. Romântica? Muito mais que isso. A irmã Marciana apanhou uma molha brutal com a Paulinha, eu encontrei o Sebastião, um caranguejo que adoptei (para depois ser devorado por formigas no nosso quarto e ser expulso dele pelas minhas manas) e apanhámos conchas em espiral. Finalmente lembrei-me das areias para Rita e à pala delas consegui também tostar o exagero de amendoim que comprei em Maputo no último dia.

O Tofo é turístico mas o dia era nosso. A lua estava perfeita, mais uma vez o amor e a saudade foram tema de conversa. A esteira que levámos para o terço deixava trespassar a areia e a união e a música fez dele dos melhores terços. No segundo dia do Tofo brincamos com cumplicidade nas imensas poças que se formavam à beira-mar. Eu e a Paulinha parecíamos duas crianças e a Sofia e o André a ver-nos de longe nas toalhas os nossos pais. Gargalhadas de doer mesmo a barriga.



E no meio disto tudo, percebi há dias que acho que se devem contar pelos dedos das minhas mãos as vezes que partilhei a beleza natural que há em Quissico. Pouco ouvi no ano de preparação do azul de Moçambique. Moçambique era a terra vermelha. Moçambique é também para mim, um azul indescritível. E não há mesmo palavras que o expliquem. Eu pelo menos não as encontro. E não há fotografias. É um azul que mais do que se ver e falar se sente. E ainda assim continua a ser muito mais que isso.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Assim acaba a minha terra dos sonhos.
Assim começo a partilhá-la.

"(...) Bem, e assim chegámos ao avião. É agora. É o fim. (Lol, mais parece que vai cair!) Sinto que possa ter escrito a correr, que não tenha contado das pequenas conversas em Maputo que me estão a fazer tão bem, das cumplicidades e do apoio que encontrámos uns nos outros. Cada vez mais um orgulho fazer parte desta Equipa. Eu estou tranquila, irreconhecível até aos meus próprios olhos, Mesmo! A vontade de aterrar física e psicologicamente não é muita mas como dizia à Joaninha, na conversa brutalmente intensa que tivemos na 1ª hora e tal de vôo, sinto-me mais forte, muito feliz e mais humana. Ainda que desamparada, e sem nada, sei que só preciso encontrar o meu caminho, não vou mesmo desmorecer e (sim) manter esta positividade que acho que agora ainda mais me identifica. Estou espiritualmente cheia. Sinto-me plena mesmo! Não há palavras. Chega a ser tão bom e tão diferente a sensação de sentir que haja o que houver não afectará porque as defesas que construímos com todas as experiências que vivemos nos fazem demasiado fortes.
GRRR! (Ontem partilhei com o grupo o que eram os (meus) momentos Grrr. Às vezes estou tão bem que a minha própria vida é Grrr! Estou tãoooo bem :) Filipa"

Deve ser nas partilhas que o pós projecto ganha outro encanto. Mas demora-se muitooo tempo a digerir. Vivi um mês e meio. Absorvi tudo. Quase 5 meses depois ainda mal abri a boca sobre esse tanto mas talvez tenha descoberto a manivela da torneira. Para mim e para quem quiser.

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