Ainda em Portugal chegou-nos aos ouvidos que Quissico era ao lado da praia e tinha três lagoas bem perto gigantes e lindas. Mas não era nem tinha.
Acabadinhos de chegar à missão deparámos com a imagem indescritível dum azul imenso à nossa frente. Virados para oeste o campo dos eucaliptos deixava ver por entre os troncos três blocos de água de azuis distintos. Duas lagoas separadas e a seguir o Índico, uma imagem às riscas alternando entre azul e verde. Bonito? Muito mais que isso. Até parecia que o ar era mais puro de tanta natureza sem "estragos" da prensença humana.
(eu sei que não se vê o campo de eucaliptos mas ele existe)
Lembro-me perfeitamente da primeira vez que fomos às lagoas, acho que logo no segundo dia na missão, os quatro acompanhados pelo nosso guia Ezequiel. Logo no início cruzámo-nos com um curral de folhas de palmeira onde tirámos a primeira fotografia em Quissico: eu, o André e dois porcos :) Descemos por entre os caminhos de areia, à conversa. O Ezequiel seguia à frente e os 4 atrás íamos rindo entre as primeiras confidências mais "agrestes" e algumas revelações :p Continuávamos com o fascínio pela terra. As manas diziam que era mesmo diferente do norte, mas sem margem para dúvidas, duma beleza também inexplicável. Cruzámo-nos com crianças que olhavam para nós com ar curioso, outras fugiam ou tinham medo de se aproximar. E assim distraídos, sem darmos conta, passou a mais de meia hora para chegar até à àgua.
O André teve logo o privilégio de banhar-se, as meninas apenas poderam tocar com os pés. A presença do Ezequiel não nos permitia tirar a roupa. As águas eram calmas, ligeiramente salgadas pela proximidade com o oceano, e completamente transparentes. Não se via uma única presença humana à volta, e era isso que tornava a imagem tão perfeita. Lindo? Muito mais que isso. Fizemos a primeira reportagem em missão. Também me lembro que perto havia uns metros quadrados de terra cultivada. A Sofia pegou num búzio lindo e achou que tinha tido a sorte grande por o ter encontrado. Metros mais à frente, enquanto ostentava o seu búzio caído do céu, encontrámos um segundo. Olhando bem, os búzios estavam cuidadosamente colados nos quatro cantos duma espécie de horta, a delimita-la. Claro que a Sofia devolveu o búzio ao seu trabalho de canto, e nós não conseguimos parar de gozar com ela.
Voltámos às lagoas as vezes que conseguimos, tomámos banho nela, ajudámos alguns miúdos a enfrentarem o medo da água, e tivemos um banho conjunto final brutal de mais de uma hora, quando o Quico e o Miguel nos encontraram pela segunda vez. Há vídeos memoráveis desses momentos, que descrevem muito melhor a alegria do que as minhas palavras, mas ainda não os tenho.
A primeira vez no Índico também foi qualquer coisa. Tenho um fascínio absurdo quando experimento novas águas. Na primeira vez na praia, depois duma viagem atribulada por caminhos instáveis para lá chegar, "vencemos" a vergonha de nos despir-mos à frente dos padres. Estávamos meio acanhados mesmo depois deles já terem dito e repetido que não havia problema. Depois duns bons minutos em pé a olhar uns para os outros lá tirámos a roupa num ápice e corremos de mãos dadas (acho) a experimentar o Índico pela primeira vez. Mais tarde a Sofia chegou à conclusão que não era a primeira vez dela mas ainda assim viveu a entrada na água como se fosse. As vezes a verdade é aquilo que queiramos que seja. No bom e no mau. A Paulinha não queria ir mas segundos depois de estarmos que nem putos a chapinhar na água não resistiu e juntou-se. Foi único. E também o Pe. Juliano tomou banho connosco. E riamos de ser das águas mais quentes que já tínhamos estado e gelada para ele.
Voltámos à praia umas quantas vezes. Na baía dos côcos, era só nossa. E dum pescador. E mais uma vez não há palavras. Voltámos a brincar, desta vez tínhamos também a companhia do Miguel e do Quico. Tive das melhores reflexões da minha vida, vimos o nascer do sol embrulhados nos sacos de cama, e fizemos das dunas escorregas. As ondas rebentavam-nos no corpo, e a água era quente e transparente. Lembrei-me imenso do Gustavo. Paradisíaco? Muito mais que isso.
A praia de Závora, de acesso quase impossível, e com as suas dunas e recantos românticos suscitou-nos conversas sobre o amor. Romântica? Muito mais que isso. A irmã Marciana apanhou uma molha brutal com a Paulinha, eu encontrei o Sebastião, um caranguejo que adoptei (para depois ser devorado por formigas no nosso quarto e ser expulso dele pelas minhas manas) e apanhámos conchas em espiral. Finalmente lembrei-me das areias para Rita e à pala delas consegui também tostar o exagero de amendoim que comprei em Maputo no último dia.
O Tofo é turístico mas o dia era nosso. A lua estava perfeita, mais uma vez o amor e a saudade foram tema de conversa. A esteira que levámos para o terço deixava trespassar a areia e a união e a música fez dele dos melhores terços. No segundo dia do Tofo brincamos com cumplicidade nas imensas poças que se formavam à beira-mar. Eu e a Paulinha parecíamos duas crianças e a Sofia e o André a ver-nos de longe nas toalhas os nossos pais. Gargalhadas de doer mesmo a barriga.
E no meio disto tudo, percebi há dias que acho que se devem contar pelos dedos das minhas mãos as vezes que partilhei a beleza natural que há em Quissico. Pouco ouvi no ano de preparação do azul de Moçambique. Moçambique era a terra vermelha. Moçambique é também para mim, um azul indescritível. E não há mesmo palavras que o expliquem. Eu pelo menos não as encontro. E não há fotografias. É um azul que mais do que se ver e falar se sente. E ainda assim continua a ser muito mais que isso.